quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Novo Endereço

Já não era tempo de mudança
Quando logo em seguida veio
outra casa.
Fique a vontade, entre sem sapatos:

http://homemmaquina.wordpress.com/

domingo, 16 de agosto de 2009

Homem X Máquina





Acordei e lá estava ela. Como sempre, brincava com meus pensamentos e expunha minha natureza. Visões que não imaginava me pertencerem se revelavam e se repetiam. Perguntei, suplicando por uma resposta, qual ela fosse, num gesto desesperado - Por que me persegues? Por que me fazes teu eterno escravo sem chance alguma de alforria? Tudo que quero é descansar em paz... Ela apenas sorriu sem qualquer ingenuidade. Em toda sua pequenez, de forma meiga e infantil, ela tinha total conhecimento de seu poder sobre mim.
De súbito, senti-me petrificado na encruzilhada de um precipício, envolto por uma escuridão sem limites. Estávamos a sós neste breu, e, como uma anciã, virou-se em minha direção - Não há como te livrares do que sou, pois somos apenas um. És tu quem determinas o meu ser e as minhas ações. Quando não estás presente, compareço eu. Para que eu desapareça, é preciso fazê-lo consigo primeiro. Sem mim, tu não sobrevives. É 'humanamente' possível isso? Descontrolado, joguei-me abismo afundo na ânsia de repousar eternamente sem qualquer compromisso com a vida.
Realidade rasa é ilusão sóbria. Abri meus olhos repentinamente como quem escapa de um afogamento. Era mais um daqueles sonhos. Estava ensopado de suor. Ela não me perturbaria mais, pelo menos até a noite chegar. A insignificância diante da pessoa que eu representava era tamanha que me senti mais fraco, incapaz. Como haveria de lutar contra mim mesmo? E, afinal de contas, quem seria o vencedor? Como é possível ter alguém com tamanha habilidade dentro da minha cabeça, a ponto de tomar as rédeas quando bem entende sem meu consentimento?
Mesclei-me em mim mesmo. Tão logo, metade Homem, metade Máquina. Na razão do inexplicável perco de vista a mecanicidade dos afetos acumulados e encadeados. Desde então, passei a me lubrificar. Espero pelo inevitável, fecho os olhos e durmo novamente.


Orquídeas do Morro



Traficante – Vai querer de quanto?

Homem – Não sei, tem de quanto?

Traficante – Tem de 15, de 30 e o galo.

Homem – Hum...o galo como é? Vem bastante?

Traficante Vem recheado. Vai te deixar alegre por um bom tempo.

Homem – Sei. Mas talvez seja muito, to levando só pra uma pessoa.

Traficante Então leva a de 15. Ou a de 30 logo, se você quiser impressionar de cara.

Homem – Sei não. Ficar andando com uma de 30 na rua pode ser meio arriscado também. Aqui nas redondezas é seguro?

TraficanteMermão! Tu quer ou não quer a parada? Tem que ser na agilidade!

Homem – Tá bom, tá bom, então me dá uma de 30 mesmo.

Traficante Toma aí. É tranqüilo, cara, só chegar junto, mas da próxima vez já vem decidido, se não eu não passo mais pra tu! Pode ficar enrolando não que é sujeira, valeu?

Homem – Valeu, cara, valeu.

Traficante É nóis.


Chegando em casa...


Máquina – Você estava onde?

Homem – Olha só o que eu trouxe pra você!

Máquina – Nossa! Não acredito! Que lindas Orquídeas! Mas onde você conseguiu isso?

Homem – Eu subi no morro.

Máquina – No morro? Isso é tranqüilo?

Homem – É...mais ou menos, aquela coisa, né, mas tudo bem. Queria te fazer uma surpresa!

Máquina – Não acho isso legal, é perigoso. E se você roda? É preciso muita cautela!

Homem – Mas dá uma olhada pra essas Orquídeas! Deixa essa moralidade só um pouquinho de lado e sente esse cheiro...são únicas! Quase não tem químicos! Ouvi falar que eles plantam numa fazenda afastada, todo mês tem um carregamento. Você sabe que eu não faço isso sempre, mas ele me garantiu que era de ótima qualidade. Quis trazer uma pra você ficar feliz...

Máquina – Bom...realmente...são lindas mesmo! Então tá, deixamos assim: hoje vai, mas não faz mais isso sem me avisar antes. Se não eu fico assim, me desregulo um pouco. E não pode colocá-las na janela que os vizinhos podem ver.

Homem – Tá bom. Estamos combinados.

Máquina – Ah, mais uma coisa, passou na farmácia?

Homem – Passei sim, tá aqui comigo. Você quer um?

Máquina – Nossa, quero muito! Fiquei o dia inteiro sem fumar!




Ralo Pêlo


Ralo pêlo pensamento, rasteiro em questões mil. Sentir na carne o chão quente, na boca o gosto de lágrimas, nos olhos o fundo do poço, sem água. A amargura de não se ter o que beber, não se ter o que comer, não se ter o que pensar. Não ter expectativa, não delirar, não ver um distante imaginário, não ter explicação. O cotidiano te queimando a pele, te fritando a cabeça, deixando o pensamento em combustão com um quê de desesperador. A iniqüidade de um mundo sem mágica não permite à mente criar asas alheias. Não permite um vôo solto pelo além mar, por sobre nuvens que se revestem tal como algodão doce num dia ensolarado. As vontades últimas são inatas, as necessidades básicas de existência do ser humano. Comer, dormir, sobreviver...nem se cogita sorrir. O jogo de exclusão social, da exclamação dos “fortes”, da premiação do inútil, do menosprezo pelo sofrimento, marcam em demasia a vida de pessoas invisíveis aos olhos ordinários que correm atrás de coisa qualquer pra si – somente pra si.

O Atraso das Máquinas

Máquina – Todas as mulheres se atrasam.

Homem – Quando penso nisso vejo minha mãe rodando pela sala, louca, procurando entre os milhões de geringonças seus pertences essenciais. Mas faz assim, vira e remexe tudo, procura em milhões de lugares, redescobre o sofá, desmonta a estante e vasculha pela cozinha. Dá voltas e mais voltas em busca de seus preciosos anexos. Quando sai de casa volta pelo menos duas vezes pra verificar se não tem nada faltando, se não deixou de trancar a porta ou se não deixou pra trás o cachorro, ou mesmo as idéias! Ela se perde no meio de tanta sinapse falsa.

Máquina – Mediada por tanta informação, falta-lhe um pouco de condicionamento mental, talvez? Um alinhamento das pseudo-coerências que sobrevoam entre tantas combustões de pensamentos. Há pessoas que não se importam com a hora, ou pelo menos que não se prendem a ela como forma de organização simétrica de suas atividades cotidianas.

Homem – Essa não é a questão, ela quer seguir a hora, mas se prende nas pequenas nuances e acaba por se perder. Ela quer seguir a hora há horas!

Máquina – Ela deve seguir a hora!

Homem – Bela sincronização da vida! Conseguiu o que queria?

Máquina – O que eu queria?

Homem – Maquinificar a essência a partir do teu entendimento!

Máquina – O quê? Falando das mulheres?

Homem – Não. Da relação com o tempo.

Máquina – Não queria nada! Você inventou que eu queria algo. Apenas constatei que as mulheres se atrasam. Invariavelmente sempre. O tempo é medido para funcionar em sociedade, e não seguí-lo acaba por dificultar certos arranjos.



Homem – O tempo é uma prisão na floresta de pedras.

Máquina – Veja bem, as horas servem a certos propósitos. Mais para alguns que para outros. Eu por exemplo, tenho uma coisa engraçada, tudo costuma dar certo pra mim. As coisas entram na engrenagem como se sempre fizessem parte dela.

Homem – Hum...desenvolva.

Máquina – Não tem explicação. Sem motivo qualquer, quando estou dentro de alguma coisa, as portas se abrem sem muita dificuldade. Não é preciso me preocupar, pois já faz parte da minha natureza. Claro que uma boa lubrificação ajuda, quebra o rangir da inércia estática. Mas acaba que sempre perde um pouco do óleo nas engrenagens e volta a ficar difícil uma movimentação.

Homem – Então você deixa enferrujar? Chuta o balde longe?

Máquina – Pois é, mas não importa, acaba que dá certo de novo! Vou pra outra coisa qualquer e pronto, tá lá! Tiro e queda, regulagem perfeita, volta a sensação de encaixe. Quase como a sua mãe, mas ao contrário e invertido.

Homem – Não bota a mãe no meio, que dela falo eu. Se não perde o sentido!

Máquina – Relaxe que a mãe também é minha. Pare de se prender em afecções!

Homem – E você pare de enjaular o tempo!

O Barbeiro


Navalha afiada,
lâmina tênue
que percorre o rosto

Precisão é preciso,
pois num corte em vão
o sereno há de brotar
com sangue quente,
escorrer em lágrimas
pela face..
Paralisia que reflete
nos olhos o algoz,
fiel escudeiro,
e busca paz de espírito
Um buquê de perguntas
num porquê de respostas
Jaz aqui um barbeiro